Análise de julgado

O CASO:

Imóveis adquiridos por meio de financiamento pela CEF (mútuo financeiro). A CEF pratica o superfaturamento, cobrando mais do que o contratado.

O Ministério Público move AÇÃO COLETIVA e ganha a causa, determinando-se que os consumidores lesados tem direito à devolução dos valores pagos indevidamente.

Inicia-se a fase de cumprimento de sentença INDIVIDUAL, na qual cada adquirente pede a devolução do que pagou indevidamente.

O PROBLEMA JURÍDICO:

Um dos antigos donos (mutuário no contrato questionado) vendeu sua unidade e o terceiro adquirente (atual proprietário) pede em seu nome a restituição do valor. A questão é: o direito a receber a devolução do excesso é do antigo dono, que fez os pagamentos indevidos, ou do adquirente, que comprou o imóvel objeto do financiamento irregular?

O ADQUIRENTE COMO PARTE ILEGÍTIMA:

O juiz de 1º grau e, depois, o Tribunal, em segunda instância, dizem que o adquirente não é parte legítima para pedir a restituição, já que ele não foi parte no contrato e não foi ele quem fez os pagamentos indevidos. Indicam que, no caso, a aquisição da unidade se deu após já quitado o empréstimo pelo antigo dono, inclusive com extinção da hipoteca constituída sobre o imóvel.

OS ARGUMENTOS DO AQUIRENTE:

Por outro lado, o atual proprietário alega que a compra provoca a sub-rogação dos direitos derivados do contrato de mútuo em questão.

OS FUNDAMENTOS DO RESP DO ADQUIRENTE:

Como fundamento de ter o direito à restituição, o atual proprietário cita os seguintes dispositivos do Código Civil:

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação. Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível. Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

Art. 1.232. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem.

QUESTÃO PROCESSUAL PELO STJ:

O STJ entendeu que esses artigos não foram prequesitonados, de modo que não adentrou na análise desses dispositivos, por aplicação do verbete 211 de sua Súmula de Jurisprudência.

QUESTÃO DE MÉRITO PELO STJ:

O STJ entendeu que a restituição dos valores pagos a maior só pode ser pleiteada, no caso de um cumprimento de setença individual baseado em decisão de ação coletiva, por aquele “sujeito” que integra a relação originária, cuja legalidade fora atacada na decisão coletiva.

Em outras palavras, como a ação coletiva questionou a prática irregular do contrato de financiamento (empréstimo/mútuo), e como o consumidor diretamente lesado foi o antigo dono (foi ele quem pagou a maior), não caberia ao novo dono, adquirente, pedir a devolução para si.

NOSSA OPINIÃO:

1. QUANTO AOS FRUTOS.

Os frutos são espécies de bens acessórios. A definição de frutos é de que são bens GERADOS PELO PRINCIPAL, com periodicidade (ao contrário dos produtos, que são gerados sem periodicidade). Exemplos clássicos de frutos civis são os alugueis (acessórios da casa) e os juros da aplicação financeira (acessórios do capital principal). Entendido o conceito de frutos, vê-se que a quantia paga a maior, que deve ser devolvida, não se enquadra no conceito de “bens acessórios gerados pelo principal”. Portanto, o direito a receber a devolução não pode ser entendido como “frutos civis”, nem do mútuo (empréstimo), nem do imóvel adquirido. Logo, os artigos citados não serviriam de fundamento ao interesse do adquirente, mesmo se feita a análise pelo STJ.

2. OUTRAS FIGURAS.

Não vemos como enquadrar facilmente na lei o interesse pleiteado pelo adquirente. De modo direto, uma vez pago o empréstimo e extinta a hipoteca que vinculara o imóvel à dívida, a compra da unidade não gera – por lei – transferência do direito de devolução dos valores pagos a maior. Esse direito (devolução) não é um direito de natureza real, mas pessoal. Dessa forma, não adere ao imóvel e não se transfere (por força de lei) ao novo dono. Por outro lado, as regras da compra e venda e mesmo do registro também não contemplam figuras que impliquem essa transferência (repito, por força de lei).

3. PREJUÍZO PELA FALTA DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO PREVENTIVO.

A classe da Advocacia sabe, mas talvez os não advogados também percebam isto: a cultura brasileira, modo geral, não busca se beneficiar do aconselhamento jurídico preventivo.

Muitas vezes, é comum, não se pagam 800, 1.000 de honorários consultivos, mas se deixa de receber, ou se perde, 30 mil, 40 mil, por conta de um contrato mal feito. É o que parece ter ocorrido no caso.

Digo isso porque, por um lado, podemos imaginar que a decisão está “justa”. Afinal, quem pagou o valor a maior foi o antigo dono e, por isso, seria dele o direito à devolução.

Entretanto, olhando de perto poderíamos ver, talvez, que o valor pago a maior foi embutido no preço de venda. No caso real, não se tem essa informação no julgado analisado, mas é possível imaginar que isso tenha ocorrido.

Nesse caso, do lado do comprador, a aquisição da unidade poderia ter sido feita acompanhada de um instrumento de CESSÃO DE DIREITOS, transferindo ao comprador os direitos do vendedor sobre as restiuições a receber. Isso teria, sem dúvida, liquidado a questão a favor do novo dono.

Pelo lado do vendedor, esse direito poderia ter composto parte da negociação, gerando ou um preço maior, ou uma facilidade na venda. Poderia ter sido feito um contrato com cláusula de risco, estabelecendo o direito à devolução como parte do negócio, independentemente da vitória ou derrota na ação coletiva (supondo que a venda se deu com a ação ainda em curso).

SÍNTESE FINAL:

A negociação imobiliária é operação que sempre envolverá valores elevados e, por outro lado, formalidades exigidas pela lei para dar segurança às partes. Nesse contexto, não vale a pena agir “amadoristicamente”. Ter uma assessoria jurídica pra construir um contrato forte, cuidando dos aspectos específicos do teu negócio, pode ser a diferença entre um grande sonho e um grande prejuízo.mm

RECURSO ESPECIAL Nº 1.742.669 – PR (2018/0120735-1) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Acórdão

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